Relatório do Ministro Teori Zavascki, do STF, cita obra de Medina Osório

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI (RELATOR): 1. São duas as questões trazidas a debate no presente recurso, ambas a respeito da posição jurídica dos agentes políticos em face da Lei 8.429/90, que trata das sanções por ato de improbidade: (a) a da submissão ou não desses agentes ao duplo regime sancionatório (o da Lei 8.429/90 e o da Lei 1.079/50, que dispõe sobre crimes de responsabilidade) e (b) a da existência ou não de prerrogativa de foro nas ações que visam a aplicar aquelas sanções. São questões distintas, embora imbricadas entre si, que nessa dimensão não estão, no meu entender, inteiramente resolvidas pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Realmente, no julgamento conjunto da ADI 2797 e da ADI 2860-0, no dia 15.09.2005 (Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 19.12.2006), o Tribunal declarou a inconstitucionalidade dos §§ 1o e 2o do art. 84 do Código de Processo Penal – CPP introduzido pela Lei 10.628/02, fixando, no que se referia à prerrogativa de foro, o entendimento assim exposto na ementa:

“Ação de improbidade administrativa – Extensão da competência especial por prerrogativa de função estabelecida para o processo penal condenatório contra o mesmo dignitário (§ 2.o do art. 84 do CPP, introduzido pela Lei 10.628⁄2002) – Declaração, por lei, de competência originária não prevista na Constituição: inconstitucionalidade. 1. No plano federal, as hipóteses de competência cível ou criminal dos tribunais da União são as previstas na Constituição da República ou dela implicitamente decorrentes, salvo quando esta mesma remeta à lei a sua fixação. 2. Essa exclusividade constitucional da fonte das competências dos tribunais federais resulta, de logo, de ser a Justiça da União especial em relação à dos Estados, detentores de toda a jurisdição residual. 3. Acresce que a competência originária dos Tribunais é, por definição, derrogação da competência ordinária dos juízos de primeiro grau, do que decorre que, demarcada a última pela Constituição, só a própria Constituição a pode excetuar. 4. Como mera explicitação de competências originárias implícitas na Lei Fundamental, à disposição legal em causa seriam oponíveis as razões já aventadas contra a pretensão de imposição por lei ordinária de uma dada interpretação constitucional. 5. De outro lado, pretende a lei questionada equiparar a ação de improbidade administrativa, de natureza civil (CF, art. 37, § 4.o), à ação penal contra os mais altos dignitários da República, para o fim de estabelecer competência originária do Supremo Tribunal, em relação à qual a jurisprudência do Tribunal sempre estabeleceu nítida distinção entre as duas espécies. 6. Quanto aos Tribunais locais, a Constituição Federal – salvo as hipóteses dos seus arts. 29, X, e 96, III – reservou explicitamente às Constituições dos Estados-membros a definição da competência dos seus tribunais, o que afasta a possibilidade de ser ela alterada por lei federal ordinária”.

Todavia, em 13.06.2007, na Reclamação 2138, em que se questionava a competência de juízo de primeira instância para ação de improbidade administrativa movida contra Ministro de Estado, o Supremo Tribunal Federal julgou procedente o pedido, mas sob a fundamento – adotado por escassa maioria – da inviabilidade da submissão ao duplo regime sancionatório. Eis a ementa:

“RECLAMAÇÃO. USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CRIME DE RESPONSABILIDADE. AGENTES POLÍTICOS. I. PRELIMINARES. QUESTÕES DE ORDEM. I.1. Questão de ordem quanto à manutenção da competência da Corte que justificou, no primeiro momento do julgamento, o conhecimento da reclamação, diante do fato novo da cessação do exercício da função pública pelo interessado. Ministro de Estado que posteriormente assumiu cargo de Chefe de Missão Diplomática Permanente do Brasil perante a Organização das Nações Unidas. Manutenção da prerrogativa de foro perante o STF, conforme o art. 102, I, “c”, da Constituição. Questão de ordem rejeitada. I.2. Questão de ordem quanto ao sobrestamento do julgamento até que seja possível realizá-lo em conjunto com outros processos sobre o mesmo tema, com participação de todos os Ministros que integram o Tribunal, tendo em vista a possibilidade de que o pronunciamento da Corte não reflita o entendimento de seus atuais membros, dentre os quais quatro não têm direito a voto, pois seus antecessores já se pronunciaram. Julgamento que já se estende por cinco anos. Celeridade processual. Existência de outro processo com matéria idêntica na sequência da pauta de julgamentos do dia. Inutilidade do sobrestamento. Questão de ordem rejeitada. II. MÉRITO. II.1.Improbidade administrativa. Crimes de responsabilidade. Os atos de improbidade administrativa são tipificados como crime de responsabilidade na Lei n° 1.079/1950, delito de caráter político-administrativo. II.2.Distinção entre os regimes de responsabilização político- administrativa. O sistema constitucional brasileiro distingue o regime de responsabilidade dos agentes políticos dos demais agentes públicos. A Constituição não admite a concorrência entre dois regimes de responsabilidade político-administrativa para os agentes políticos: o previsto no art. 37, § 4o (regulado pela Lei n° 8.429/1992) e o regime fixado no art. 102, I, “c”, (disciplinado pela Lei n° 1.079/1950). Se a competência para processar e julgar a ação de improbidade (CF, art. 37, § 4o) pudesse abranger também atos praticados pelos agentes políticos, submetidos a regime de responsabilidade especial, ter-se-ia uma interpretação ab-rogante do disposto no art. 102, I, “c”, da Constituição. II.3.Regime especial. Ministros de Estado. Os Ministros de Estado, por estarem regidos por normas especiais de responsabilidade (CF, art. 102, I, “c”; Lei n° 1.079/1950), não se submetem ao modelo de competência previsto no regime comum da Lei de Improbidade Administrativa (Lei n° 8.429/1992). II. 4. Crimes de responsabilidade. Competência do Supremo Tribunal Federal. Compete exclusivamente ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar os delitos político-administrativos, na hipótese do art. 102, I, “c”, da Constituição. Somente o STF pode processar e julgar Ministro de Estado no caso de crime de responsabilidade e, assim, eventualmente, determinar a perda do cargo ou a suspensão de direitos políticos. II.5.Ação de improbidade administrativa. Ministro de Estado que teve decretada a suspensão de seus direitos políticos pelo prazo de 8 anos e a perda da função pública por sentença do Juízo da 14a Vara da Justiça Federal – Seção Judiciária do Distrito Federal. Incompetência dos juízos de primeira instância para processar e julgar ação civil de improbidade administrativa ajuizada contra agente político que possui prerrogativa de foro perante o Supremo Tribunal Federal, por crime de responsabilidade, conforme o art. 102, I, “c”, da Constituição. III. Reclamação julgada procedente” (Rcl 2138/DF, Pleno, Rel. p/ acórdão Min. Gilmar Mendes, j. 13/06/2007, DJe de 18/04/2008).

Posteriormente, em 13.03.2008, ao apreciar a PET 3211, em que se questionava a prerrogativa de foro em ação de improbidade movida contra Ministro do STF, o Tribunal assentou orientação assim resumida na ementa:

“Questão de ordem. Ação civil pública. Ato de improbidade administrativa. Ministro do Supremo Tribunal Federal. Impossibilidade. Competência da Corte para processar e julgar seus membros apenas nas infrações penais comuns. 1. Compete ao Supremo Tribunal Federal julgar ação de improbidade contra seus membros. 2. Arquivamento da ação quanto ao Ministro da Suprema Corte e remessa dos autos ao Juízo de 1o grau de jurisdição no tocante aos demais” (Pet 3211 QO/DF, Pleno, Rel. p/ acórdão Min. Menezes Direito, j. 13/03/2008, DJe de 27/06/2008).

Adotando essa linha de entendimento, no MS 31234 MC (DJe de 27.3.2012), em que se questionava a competência em ação de improbidade contra o Ministro de Estado da Fazenda, o Ministro Luiz Fux, relator, deferiu medida liminar asseverando:

“Não seria coerente com a unidade normativa do texto constitucional, consoante já reconhecido nos precedentes acima transcritos, que Ministro de Estado respondesse como réu em ação de improbidade em trâmite no primeiro grau de jurisdição, à medida que o referido feito também pode acarretar a perda da função pública. Dessume-se, portanto, que, a despeito da nítida oscilação jurisprudencial pretérita sobre o tema, o entendimento de que agentes políticos podem responder como réus em ação de improbidade, mas com observância da prerrogativa de foro, tem se consolidado mais recentemente na jurisprudência pátria, e em particular, no âmbito desta Suprema Corte (…)”.

Um ponto comum pode ser identificado nos diversos fundamentos adotados nesses últimos julgamentos, que, apesar da declaração de inconstitucionalidade reconhecida nas ADI 2797 e ADI 2860, acabaram por retirar do juízo de primeiro grau a competência para julgar as ações de improbidade de que então se tratava: implícita ou explicitamente, neles ficou reconhecida e procurou-se superar a perplexidade de submeter agentes políticos detentores dos cargos de maior nível institucional e de responsabilidade política do País (Ministro de Estado e Ministro do Supremo Tribunal Federal, que, em matéria penal, têm foro por prerrogativa de função, mesmo por crimes que acarretam simples pena de multa pecuniária), à possibilidade de sofrerem sanção de perda do cargo ou de suspensão de direitos políticos em processo de competência de juiz de primeiro grau, além de estarem também sujeitos a medida cautelar de afastamento imediato do cargo, no curso do processo (Lei 8.429/92, art. 20, parágrafo único). Ainda quando subordinada a aplicação da pena ao trânsito em julgado, o processo nem sempre teria condições de ser apreciado pelos Tribunais Superiores, cuja competência é restrita a hipóteses de ofensa à Constituição (STF) ou às leis federais (STJ), sendo- lhes vedado o reexame dos fatos da causa. Aliás, a partir da vigência da LC 135/2010, que deu nova redação à LC 64/90, eventual condenação em ação de improbidade, proferida por qualquer “órgão judicial colegiado”, mesmo de segundo grau, já acarreta a consequência da inelegibilidade por oito anos (art. 1o, I, l).

Ora, essa perplexidade seria ainda maior em eventual ação de improbidade contra o Presidente da República e não deixaria de existir em ações contra o Presidente do Senado, ou da Câmara dos Deputados, ou de parlamentar federal, ou contra ministro de tribunal superior, ou governador de Estado, ou desembargador e, enfim, em menor ou maior medida, contra outros detentores de cargos que, na esfera penal, ostentam prerrogativa de foro. Daí a afirmação de que, em face das decisões tomadas na Reclamação 2138, na PET 3211 QO/DF e no MS 31234-MC, não se pode considerar que o STF tenha posição definitiva sobre as referidas questões relacionadas a ações de improbidade administrativa contra agentes políticos. O exame desses precedentes evidencia essa afirmação. Veja-se.

  1. Na Reclamação 2.138, em que ficou afastada a competência do juízo de primeiro grau para ação de improbidade contra Ministro de Estado, vingou, por escassa maioria, a tese da inviabilidade de duplo regime sancionatório dos agentes políticos. Entendeu-se que “o sistema constitucional brasileiro distingue o regime de responsabilidade dos agentes políticos dos demais agentes públicos. A Constituição não admite a concorrência entre dois regimes de responsabilidade político-administrativa para os agentes políticos: o previsto no art. 37, § 4.o (regulado pela Lei 8.429⁄1992), e o regime fixado no art. 102, I, c (disciplinado pela Lei 1.079⁄1950). Se a competência para processar e julgar a ação de improbidade (CF, art. 37, § 4.o) pudesse abranger também atos praticados por agentes políticos, submetidos a regime de responsabilidade especial, ter-se-ia uma interpretação ab-rogante do disposto no art. 102, I, c, da Constituição”, razão pela qual “somente o STF pode processar e julgar Ministro de Estado no caso de crime de responsabilidade e, assim, eventualmente, determinar a perda do cargo ou a suspensão de direitos políticos” (STF, Rcl. 2.138, rel. p⁄ acórdão Min. Gilmar Mendes, DJ 10.04.2008).

A corrente contrária – minoritária, porém representativa – sustentou que a Constituição não impede – ao contrário, admite expressamente (no § 4.o do art. 37) -, a duplicidade de regime (civil e penal) para os ilícitos de improbidade. Ademais, nem todos os atos de improbidade previstos na Lei 8.429⁄92 estão tipificados como crimes de responsabilidade pela Lei 1.079⁄50, razão pela qual o duplo regime somente se configuraria, se proibido fosse, em relação às tipificações coincidentes, não quanto às demais. Mesmo para essa corrente, todavia, a aplicação da Lei 8.429⁄92 deve ser mitigada em relação aos agentes políticos, para os quais não seria admissível a imposição da sanção de perda do cargo ou de suspensão dos direitos políticos, ao menos em juízo de primeiro grau ou antes do trânsito em julgado. Relativamente a esses agentes, a referida Lei deveria, portanto, ser adotada, mas com ablação dessas sanções. São ilustrativos dessa polêmica, além dos votos proferidos naquele precedente e em outros julgados do STF, os que constam da ADI 2.860-0, Min. Sepúlveda Pertence, DJ 19.12.2006.

Vê-se que, cada uma a seu modo, essas correntes de opinião buscaram superar a situação de perplexidade, já referida, de submeter agentes políticos detentores dos mais importantes cargos da organização estatal à possibilidade de sofrerem as sanções previstas na Lei 8.429/92, entre as quais a perda do cargo e a suspensão de direitos políticos, em processo de competência de juiz de primeiro grau. Certamente por influência dessa preocupação comum, há, nas duas correntes, a invocação cumulativa de elementos argumentativos de natureza substancialmente diferente: fundamentos de natureza instrumental (regime de competência para julgar a ação de improbidade ou o crime de responsabilidade) são trazidos para sustentar conclusões de natureza material(duplicidade do regime jurídico do ilícito, sua tipificação e seus agentes). Percebe-se, outrossim, que disposições normativas infraconstitucionais, especialmente as da Lei 1.079⁄50, são reiteradamente invocadas como elementos de argumentação para interpretar o sistema sancionador constitucional, invertendo, de certo modo, o sentido da hierarquia das normas, que deve ser vertical, mas de cima para baixo, e não o contrário.

  1. Relativamente à questão do duplo regime sancionatório, é preciso enfatizar que, olhada sob o ângulo exclusivamente constitucional e separados os elementos de argumentação segundo a sua natureza própria, é difícil justificar a tese de que todos os agentes políticos sujeitos a crime de responsabilidade (nos termos da Lei 1.079⁄50 ou do Decreto-lei 201⁄67) estão imunes, mesmo parcialmente, às sanções do art. 37, § 4.o, da Constituição. É que, segundo essa norma constitucional, qualquer ato de improbidade está sujeito às sanções nela estabelecidas, inclusive à da perda do cargo e à da suspensão de direitos políticos. Ao legislador ordinário, a quem o dispositivo delegou competência apenas para normatizar a “forma e gradação” dessas sanções, não é dado limitar o alcance do mandamento constitucional. Somente a própria Constituição poderia fazê-lo e, salvo em relação a atos de improbidade do Presidente da República adiante referidos, não se pode identificar no texto constitucional qualquer limitação dessa natureza.

Realmente, as normas constitucionais que dispõem sobre crimes de responsabilidade podem ser divididas em dois grandes grupos: um que trata exclusivamente de competência para o processo e julgamento de tais crimes, estabelecendo foro por prerrogativa de função; e outro que dispõe sobre aspectos objetivos do crime, indicando condutas típicas. Situado no primeiro grupo, o art. 52 estabelece que “compete privativamente ao Senado Federal: I – processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade, bem como os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles; II – processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União nos crimes de responsabilidade”. Nos termos do art. 96, III, compete privativamente “aos Tribunais de Justiça julgar os juízes estaduais e do Distrito Federal e Territórios, bem como os membros do Ministério Público, nos crimes (…) de responsabilidade (…)”. Segundo o art. 102, I, c, compete ao Supremo Tribunal Federal “processar e julgar, originariamente, (…) nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto no art. 52, I, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente”. Nos termos do art. 105, I, compete ao Superior Tribunal de Justiça processar e julgar, originariamente, nos crimes de responsabilidade, “os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais”. E, nos termos do art. 108, I, aos Tribunais Regionais Federais compete processar e julgar, originariamente, nos crimes de responsabilidade, “os juízes federais da área de sua jurisdição, incluídos os da Justiça Militar e da Justiça do Trabalho, (…) e os membros do Ministério Público da União (…)”.

Ora, não se pode identificar nessas normas do primeiro grupo – de natureza exclusivamente instrumental – qualquer elemento que indique sua incompatibilidade material com o regime do art. 37, § 4.o, da Constituição. O que elas incitam é um problema de natureza processual, concernente à necessidade de compatibilizar as normas sobre prerrogativa de foro com o processo destinado à aplicação das sanções por improbidade administrativa, nomeadamente as que importam a perda do cargo e a suspensão dos direitos políticos.

O segundo grupo de normas constitucionais é o das que indicam o elemento objetivo da conduta caracterizadora do crime de responsabilidade. A teor do § 2.o do art. 29-A, “constitui crime de responsabilidade do Prefeito Municipal: I – efetuar repasse que supere os limites definidos neste artigo; II – não enviar o repasse até o dia vinte de cada mês; ou III – enviá-lo a menor em relação à proporção fixada na Lei Orçamentária”. E, nos termos do § 3.o do mesmo artigo, “constitui crime de responsabilidade do Presidente da Câmara Municipal o desrespeito ao § 1.o deste artigo”, segundo o qual “a Câmara Municipal não gastará mais de setenta por cento de sua receita com folha de pagamento, incluído o gasto com o subsídio de seus Vereadores”. No caput do art. 50 tipifica-se como “crime de responsabilidade a ausência sem justificação adequada” de comparecimento de Ministro de Estado ou de “quaisquer titulares de órgãos diretamente subordinados à Presidência da República” quando convocados pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, para “prestarem, pessoalmente, informações sobre assunto previamente determinado”. Essas mesmas autoridades, a teor do § 2.o do mesmo art. 50, cometem crime de responsabilidade com “a recusa, ou o não atendimento, no prazo de trinta dias, bem como a prestação de informações falsas”, em face de pedidos de informações feitos pelas Mesas da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal. No art. 85, estabelece a Constituição que “são crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: I – a existência da União; II – o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação; III – o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; IV – a segurança interna do País; V – a probidade na administração; VI – a lei orçamentária; VII – o cumprimento das leis e das decisões judiciais”. Segundo o § 6.o do art. 100, “o Presidente do Tribunal competente que, por ato comissivo ou omissivo, retardar ou tentar frustrar a liquidação regular de precatório incorrerá em crime de responsabilidade”. E, finalmente, no § 1.o do art. 167 está determinado, “sob pena de crime de responsabilidade”, que “nenhum investimento cuja execução ultrapasse um exercício financeiro poderá ser iniciado sem prévia inclusão no plano plurianual, ou sem lei que autorize a inclusão (…)”.

Como se percebe, a única alusão à improbidade administrativa como crime de responsabilidade, nesse conjunto normativo do segundo grupo, é a que consta do inciso V do art. 85, ao considerar crime de responsabilidade os atos praticados pelo Presidente da República contra a “probidade na administração”, dando ensejo a processo e julgamento perante o Senado Federal (art. 86). Somente nesta restrita hipótese, consequentemente, é que se identifica, no âmbito material, uma concorrência de regimes, o geral do art. 37, § 4.o, e o especial dos arts. 85, V, e 86.

Não se pode, é certo, negar ao legislador ordinário a faculdade de dispor sobre aspectos materiais dos crimes de responsabilidade, tipificando outras condutas além daquelas indicadas no texto constitucional. É inegável que essa atribuição existe, especialmente em relação a condutas de autoridades que a própria Constituição, sem tipificar, indicou como possíveis agentes daqueles crimes. Todavia, no desempenho de seu mister, ao legislador ordinário cumpre observar os limites próprios da atividade normativa infraconstitucional, que não o autoriza a afastar ou a restringir injustificadamente o alcance de qualquer preceito constitucional. Por isso mesmo, não lhe será lícito, a pretexto de tipificar crimes de responsabilidade, excluir os respectivos agentes das sanções decorrentes do comando superior do art. 37, § 4.o.

  1. O que se conclui, em suma, é que, excetuada a hipótese de atos de improbidade praticados pelo Presidente da República (submetidos, por força da própria Constituição, a regime especial), não há norma constitucional alguma que imunize os agentes políticos, sujeitos a crime de responsabilidade, de qualquer das sanções por ato de improbidade previstas no art. 37, § 4.o. Seria igualmente incompatível com a Constituição eventual preceito normativo infraconstitucional que impusesse imunidade dessa natureza. O que há, inegavelmente, é uma situação de natureza estritamente processual, que nem por isso deixa de ser sumamente importante, relacionada com a competência para o processo e julgamento das ações de improbidade, já que elas podem conduzir agentes políticos da mais alta expressão a sanções de perda do cargo e à suspensão de direitos políticos. Essa é a real e mais delicada questão institucional que subjaz à polêmica sobre atos de improbidade praticados por agentes políticos.

Ora, a solução constitucional para o problema, em nosso entender, está no reconhecimento, também para as ações de improbidade, do foro por prerrogativa de função assegurado nas ações penais.

  1. Nesse contexto, deve ser prestigiada a orientação adotada pelo STF, ao declarar que “compete ao Supremo Tribunal Federal julgar ação de improbidade contra seus membros” (QO na Pet 3.211-0, relator para o acórdão o Min. Menezes Direito, DJ 27.06.2008). No particular, a decisão foi tomada por ampla maioria, com apenas um voto vencido, do relator original, Min. Marco Aurélio. Considerou-se, para tanto, que a prerrogativa de foro decorre diretamente do sistema de competências estabelecido na Constituição, que não se compatibiliza com a possibilidade de juiz de primeira instância processar e julgar causa promovida contra ministro do Supremo Tribunal Federal, ainda mais se a procedência da ação puder acarretar a sanção de perda do cargo. Ilustra a posição majoritária o voto então proferido pelo Min. Cezar Peluso:

“…se, pelos mais graves ilícitos da ordem jurídica, que são o crime e o crime de responsabilidade, Ministro do Supremo Tribunal Federal só pode ser julgado pelos seus pares ou pelo Senado da República, seria absurdo ou o máximo do contra- senso conceber que ordem jurídica permita que Ministro possa ser julgado por outro órgão em ação diversa, mas entre cujas sanções esta também a perda do cargo. Isto seria a desestruturação de todo o sistema que fundamenta a distribuição da competência, para julgamento dos ilícitos mais graves atribuídos a Ministro da Suprema Corte, entre o Supremo Tribunal Federal e o Senado da República”.

Esse precedente, como se percebe, afirma a tese da existência, na Constituição, de competências implícitas complementares, deixando claro que, inobstante a declaração de inconstitucionalidade do preceito normativo infraconstitucional (Lei 10.628, de 2002), a prerrogativa de foro, em ações de improbidade, pode, sim, ser sustentada na própria Carta Constitucional.

  1. Realmente, a Constituição assegura a certas autoridades a garantia de responderem por crimes comuns e de responsabilidade perante foro especial. O Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, os Ministros do STF e o Procurador-Geral da República respondem, em casos de crimes comuns, perante o Supremo Tribunal Federal (CF, art. 102, I, b). Também perante esse Tribunal respondem, por crimes comuns e de responsabilidade, os Ministros de Estado, os Comandantes das Forças Armadas, os membros dos Tribunais Superiores e do Tribunal de Contas da União (CF, art. 102, I, c). O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, é o foro competente para as ações por crimes comuns propostas contra Governadores de Estado e do Distrito Federal, e por crimes comuns e de responsabilidade contra os membros dos Tribunais de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais do Trabalho e Eleitorais, de Tribunais de Contas Estaduais e Municipais e membros do Ministério Público da União que oficiam perante tribunais (CF, art. 105, I, a). Perante os Tribunais de Justiça respondem, por crimes comuns, os prefeitos municipais (CF, art. 29, X). Por princípio de simetria, são os Tribunais de Justiça que processam e julgam, nos crimes comuns, os membros das Assembleias Legislativas. E, embora não haja previsão constitucional específica nesse sentido, os Tribunais Regionais Federais são considerados o foro competente para o julgamento de prefeitos e deputados estaduais acusados de infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesses da União ou de suas autarquias ou empresas públicas, previstas no art. 109, IV, da Constituição (STF, 2.a T., HC 69465-9, rel. Min. Paulo Brossard, DJ 23.03.2001; STF, 1.a T., HC 80612-1, rel. Min. Sydney Sanches, DJ 04.05.2001; STF, 2.a T., HC 76881-8, rel. Min. Nelson Jobim,DJ 14.08.1998; STF, 2.a T., HC 78728-2, rel. Min. Maurício Correa, DJ 16.04.1999; STF, Pleno, HC 78222-1, rel. Min. Marco Aurélio, DJ 27.06.2003; STF, 2.a T., HC 69465-9, rel. Min. Paulo Brossard, DJ 23.03.2001; STF, 1.a T., HC 80612-1, rel. Min. Sydney Sanches,DJ 04.05.2001; STF, 2.a T., HC 76881-8, rel. Min. Nelson Jobim, DJ 14.08.1998; STF, 2.a T., HC 78728-2, rel. Min. Maurício Correa, DJ 16.04.1999; STF, Pleno, HC 78222-1, rel. Min. Marco Aurélio, DJ 27.06.2003).

Estes e outros casos de prerrogativa de foro constituem uma garantia constitucional do acusado, estabelecida em função da relevância do seu cargo. Conforme observou o Ministro Victor Nunes Leal, em voto proferido no STF, “a jurisdição especial, como prerrogativa de certas funções públicas, é, realmente, instituída, não no interesse pessoal do ocupante do cargo, mas no interesse público do seu bom exercício, isto é, do seu exercício com o alto grau de independência que resulta da certeza de que seus atos venham a ser julgados com plenas garantias e completa imparcialidade. Presume o legislador que os tribunais de maior categoria tenham mais isenção para julgar os ocupantes de determinadas funções públicas, por sua capacidade de resistir, seja a eventual influência do próprio acusado, seja às influências que atuarem contra ele. A presumida independência do tribunal de superior hierarquia é, pois, uma garantia bilateral, garantia contra e a favor do acusado” (Recl. 473, rel. Min. Victor Nunes, j. 31.01.1962, DJ06.06.1962).

Ora, a Lei de Improbidade foi editada visando, fundamentalmente, à aplicação das sanções de natureza punitiva, semelhantes às sanções penais, a saber: suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, a multa civil e a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios. A perda de bens, a suspensão de direitos e a multa são penas que têm, do ponto de vista substancial, absoluta identidade com as decorrentes de ilícitos penais, conforme se pode ver do art. 5.o, XLVI, da Constituição. A suspensão dos direitos políticos é, por força da Constituição, consequência natural da “condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos” (art. 15, III). Também é efeito secundário da condenação criminal a perda “do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso” (CP, art. 91, II, b). A perda de “cargo, função pública ou mandato eletivo” é, igualmente, efeito secundário da condenação criminal, nos casos previstos no art. 92, I, do Código Penal: “quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a administração pública” e “quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais casos”.

Embora as sanções aplicáveis aos atos de improbidade não tenham natureza penal, há profundos laços de identidade entre as duas espécies, seja quanto à sua função (que é punitiva e com finalidade pedagógica e intimidatória, visando a inibir novas infrações), seja quanto ao conteúdo. Com efeito, não há qualquer diferença entre a perda da função pública ou a suspensão dos direitos políticos ou a imposição de multa pecuniária, quando decorrente de ilícito penal e de ilícito administrativo. Nos dois casos, as consequências práticas em relação ao condenado serão absolutamente idênticas. A rigor, a única diferença se situa em plano puramente jurídico, relacionado com efeitos da condenação em face de futuras infrações: a condenação criminal, ao contrário da não criminal, produz as consequências próprias do antecedente e da perda da primariedade, que podem redundar em futuro agravamento de penas ou, indiretamente, em aplicação de pena privativa de liberdade (CP, arts. 59; 61, I; 63; 77, I; 83, I; 110; 155, § 2.o; e 171, § 1.o). Quanto ao mais, entretanto, não há diferença entre uma e outra. Somente a pena privativa de liberdade é genuinamente criminal, por ser cabível unicamente em casos de infração penal. (…). Assim, excetuada a pena privativa de liberdade, qualquer outra das sanções previstas no art. 5.o, XLVI, da CF pode ser cominada tanto a infrações penais, quanto a infrações administrativas, como ocorreu na Lei 8.429/92.

Até mesmo no plano processual se percebe a semelhança. O que a ação de improbidade tem de inovador, em se tratando de um procedimento civil, é a fase procedimental relacionada com a admissibilidade da demanda, prevista nos §§ 6.o a 12 do art. 17 da Lei 8.429/92. É visível, quanto ao ponto, a preocupação do legislador de adequar o processo civil à finalidade, que não lhe é peculiar, de ser instrumento para imposição de penalidades ontologicamente semelhantes às das infrações penais. À identidade material das penas veio juntar-se a identidade formal dos mecanismos de sua aplicação. Foi no Código de Processo Penal, com efeito, que o legislador civil se inspirou para formatar o novo instrumento: o procedimento da ação de improbidade é em tudo semelhante ao que rege o processo e julgamento dos crimes de responsabilidade dos funcionários públicos, previsto nos arts. 513 a 518 do CPP. Lá, como aqui, se exige que a petição inicial (queixa ou denúncia) venha instruída com “documentos ou justificação que contenham indícios suficientes da existência do ato de improbidade” (“que façam presumir a existência do delito”) ou com razões fundamentadas da “impossibilidade de apresentação de qualquer dessas provas” (art. 17, § 6.o, da Lei 8.429/92; art. 513 do CPP). Lá como aqui, estando a inicial (queixa ou denúncia) “em devida forma”, o juiz ordenará a notificação do requerido (acusado) para oferecer manifestação escrita, no prazo de quinze dias, que poderá vir acompanhada de “documentos e justificações” (art. 17, § 7.o, da Lei 8.429/92; arts. 514 e 515, parágrafo único, do CPP). Recebida a manifestação, o juiz, “em decisão fundamentada, rejeitará a ação, se convencido da inexistência do ato de improbidade, da improcedência da ação ou da inadequação da via eleita” (art. 17, § 8.o, da Lei 8.429/92), da mesma forma como, na ação penal, “o juiz rejeitará a queixa ou denúncia, em despacho fundamentado, se convencido, pela resposta do acusado ou do seu defensor, da inexistência do crime ou da improcedência da ação” (CPP, art. 516). Nos dois casos, recebida a petição inicial (denúncia ou queixa), o réu (acusado) será citado para promover a sua defesa, assumindo o processo, daí em diante, o rito comum, civil ou penal (art. 17, § 9.o, da Lei 8.429/92; arts. 517 e 518 do CPP).

É justamente essa identidade substancial das penas que dá suporte à doutrina da unidade da pretensão punitiva (ius puniendi) do Estado, cuja principal consequência “é a aplicação de princípios comuns ao direito penal e ao direito administrativo sancionador, reforçando-se, nesse passo, as garantias individuais” (OSÓRIO, Fábio Medina. Direito administrativo sancionador, SP:RT, 2000, p. 102; ENTERRIA, Eduardo García de; FERNANDEZ, Tomás- Ramon. Curso de direito administrativo, trad. Arnaldo Setti, SP:RT, 1991,p. 890). Realmente, não parece lógico, do ponto de vista dos direitos fundamentais e dos postulados da dignidade da pessoa humana, que se invista o acusado das mais amplas garantias até mesmo quando deva responder por infração penal que produz simples pena de multa pecuniária e se lhe neguem garantias semelhantes quando a infração, conquanto administrativa, pode resultar em pena muito mais severa, como a perda de função pública ou a suspensão de direitos políticos. Por isso, embora não se possa traçar uma absoluta unidade de regime jurídico, não há dúvida que alguns princípios são comuns a qualquer sistema sancionatório, seja nos ilícitos penais, seja nos administrativos, entre eles o da legalidade, o da tipicidade, o da responsabilidade subjetiva, o do non bis in idem, o da presunção de inocência e o da individualização da pena, aqui enfatizados pela importância que têm para a adequada compreensão da Lei de Improbidade Administrativa.

Essa compreensão se deve adotar, segundo penso, em relação ao foro por prerrogativa de função. Se a Constituição tem por importante essa prerrogativa, qualquer que seja a gravidade da infração ou a natureza da pena aplicável em caso de condenação penal, não há como deixar de considerá-la ínsita ao sistema punitivo da ação de improbidade, cujas consequências, relativamente ao acusado e ao cargo, são ontologicamente semelhantes e eventualmente até mais gravosas. Ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio. Se há, por vontade expressa do Constituinte, prerrogativa de foro para infrações penais que acarretam simples pena de multa pecuniária, não teria sentido negar tal garantia em relação às ações de improbidade, que importam, além da multa pecuniária, também a perda da própria função pública e a suspensão dos direitos políticos.

  1. Contra esse entendimento, tem sido invocada e preconizada a interpretação estritamente literal das normas constitucionais a respeito de competência. Todavia, tal método interpretativo não é o mais adequado nesse domínio. Há situações em que a interpretação ampliativa das regras de competência é uma imposição incontornável do sistema. Conforme reconhecido em boa doutrina, “é admissível (…) uma complementação de competências constitucionais através do manejo de instrumentos metódicos de interpretação (sobretudo de interpretação sistemática ou teleológica)”, cuja adoção pode revelar “duas hipóteses de competências implícitas complementares”: as “enquadráveis no programa normativo- constitucional de uma competência explícita, e justificáveis porque não se trata tanto de alargar competências mas de aprofundar competências”; e as “necessárias para preencher lacunas constitucionais patentes através da leitura sistemática e analógica dos preceitos constitucionais” (CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional, 5a ed., Coimbra: Almedina, 1992, p. 695). No mesmo sentido, citando, inclusive, inúmeras hipóteses em que o STF adotou, para definir competências, “interpretação extensiva ou compreensiva do texto constitucional”: MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional, SP: Saraiva, 2007, p. 906.

Esse é o caminho que tem sido seguido pela jurisprudência constitucional brasileira. Já se fez alusão às hipóteses de ação penal por crimes federais praticados por parlamentares estaduais e por prefeitos, em que foram considerados competentes os Tribunais Regionais Federais, ampliando-se, consequentemente, os limites de competência estabelecidos no art. 108, I, a, da CF. Há outras situações que tornam inevitável a interpretação ampliativa, inclusive no que diz respeito à competência civil. Assim, embora nada disso esteja expresso na Constituição, considera-se que os Tribunais Regionais Federais são competentes para processar e julgar os mandados de segurança impetrados por ente federal contra ato de juiz de direito (STF, Pleno, RE 176.881-9, rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 06.03.1998; STJ, 1.a T., RMS 18.300, rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ04.10.2004) e atribui-se ao STJ a competência para dirimir conflitos entre turmas recursais e Tribunal de Justiça (STF, Pleno, CC 7106-1, rel. Min. Ilmar Galvão, DJ08.11.2002; STF, Pleno, CC 7090-1, rel. Min. Celso de Mello, DJ 11.09.2002; STF, Pleno, CC 7081-6, rel. Min. Sydney Sanches, DJ 27.09.2002; STJ, 3.a S., CC 44124, rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ 24.11.2004; STJ, 2.a S., CC 41744, rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ 06.04.2005). Na vigência da Constituição anterior, mas à base de princípios aplicáveis no atual regime constitucional, considerou-se o Tribunal Federal de Recursos competente para processar e julgar ação rescisória proposta por ente federal, muito embora o acórdão rescindendo fosse de Tribunal de Justiça (STF, 1.a T., RE 106819-1, rel. Min. Sydney Sanches, DJ 10.04.1987; STF, Pleno, CJ 6278-8, rel. Min. Décio Miranda, DJ 13.03.1981). Também no julgamento do Mandado de Injunção 670-9, rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de 31⁄10⁄08, o STF atribuiu aos Tribunais Regionais Federais e ao Superior Tribunal de Justiça competência para processar e julgar, originariamente, dissídios relacionados com greves de servidores públicos federais.

Portanto, mesmo em relação às regras sobre competências jurisdicionais, os dispositivos da Constituição comportam interpretação sistemática que permita preencher vazios e abarcar certas competências implícitas, mas inafastáveis por imperativo do próprio regime constitucional.

  1. Em suma, o que se afirma é que, sob o ponto de vista constitucional justifica-se, com sobradas razões, a preservação de prerrogativa de foro também para a ação de improbidade administrativa, entendimento que, além de fundado em boa doutrina (v.gWALD, Arnoldo; MENDES, Gilmar Ferreira. Competência para julgar ação de improbidade administrativa. Revista de Informação Legislativa, v. 35, n. 138, p. 215; TOJAL, Sebastião Botto de Barros; CAETANO, Flávio Crocce. Competência e prerrogativa de foro em ação civil de improbidade administrativa. In: BUENO, Cássio Scarpinella; PORTO FILHO, Pedro Paulo de Rezende – coord. Improbidade administrativa: questões polêmicas e atuais, p. 399), recebeu o aval do STF, no precedente citado (QO na Pet. 3.211-0, rel. p⁄ acórdão Min. Menezes Direito, DJ 27.06.2008).
  2. Voto, por isso, no sentido de conhecer e dar provimento ao agravo regimental, para reconhecer a competência do Supremo Tribunal Federal para processar e julgar a ação de improbidade contra o requerido Eliseu Lemos Padilha, deputado federal, determinando o desmembramento do processo em relação aos demais demandados, para que, em relação a eles, tenha prosseguimento no foro próprio. É o voto.

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