Medina Osório entrevistado pelo portal da ADPF, entidade que representa delegados da Polícia Federal

Fábio Medina Osório concedeu entrevista exclusiva à equipe de comunicação da Associação dos Delegados da Polícia Federal. Na ocasião, Medina Osório abordou aspectos da atual realidade socio-política brasileira, da crise de probidade e confiança e dos caminhos que o país precisa tomar para alcançar um novo patamar ético. Confira a íntegra abaixo:

ENTREVISTA
Entrevista com o jurista Fabio Medina Osório
“A Polícia Federal é instituição que não pertence a um governo, muito menos a um partido, e sim à sociedade brasileira”

ADPF Da Redação
Foto: Reprodução

Medina Osório é advogado com forte atuação na área da probidade administrativa, direito penal, direito administrativo sancionador, leis anticorrupção. Foi subsecretário da justiça e da segurança pública no Rio Grande do Sul no Governo Germano Rigotto (2003-2005), e foi membro do Ministério Público do Rio Grande do Sul (dezembro de 1991 a janeiro de 2006 – primeiro lugar no concurso), tendo se exonerado para exercer a advocacia. Nesta última segunda-feira, dia 02 de maio, participou de audiência da Comissão Especial de Impeachment no Senado Federal, como jurista convidado pela oposição, na acusação contra a Presidente Dilma Roussef. Seu discurso foi impactante e causou enorme repercussão nas redes sociais e meios de comunicação, ao enfatizar que a estratégia do governo seria “criminosa”, quando tenta valer-se da máquina administrativa para difundir a ideia de que no Brasil haveria um golpe de Estado. Medina Osório foi elogiado pelos Senadores por seu discurso firme, lúcido e corajoso. Vejamos quais algumas de suas opiniões a respeito da Operação lava jato e do combate à corrupção.

O QUE É A CORRUPÇÃO E COMO SE PODE MELHORAR O SEU COMBATE?

A corrupção tem sido abordada por vários ângulos: o filosófico, o sociológico, o histórico, e o jurídico, neste último podendo ser analisada por múltiplos ramos do direito. Pode-se definir – na perspectiva sociológica – como o uso de prerrogativas públicas para obter benefícios privados. Trata-se de uma definição muito ampla, mas que é usada por organismos transnacionais como o Banco Mundial ou o Fundo Monetário Internacional. Também é possível dizer que a corrupção remete ao corrupto e ao corruptor e que suscita um abuso de posição: a violação de deveres posicionais para obter benefícios extraposicionais ilegítimos. Quando descemos ao terreno jurídico, esses conceitos ganham, ou devem ganhar, concretude. Incidem, então, as leis penais, lei de improbidade administrativa, lei anticorrupção empresarial, entre outras. E cada lei terá sua própria tipologia, suas peculiaridades e sua forma de incidência.

Importante jogar luz sobre as práticas corruptas e corruptoras, apostando, sobretudo na prevenção. Fortalecer ambientes de transparência, eficientes, meritocráticos, e com um funcionalismo público valorizado, é o que melhora a qualidade dos processos decisórios. No âmbito dos controles, não há dúvidas de que é necessário resgatar as autonomias das instituições fiscalizadoras, fomentando independência e responsabilidade, além da capacidade operacional. Quem não tem recursos, nem estrutura, jamais poderá combater a corrupção.

O SENHOR É CONSIDERADO A MAIOR REFERÊNCIA NO BRASIL EM MATÉRIA DE PROBIDADE ADMINISTRATIVA E TEORIA DA CORRUPÇÃO PÚBLICA. SUA OBRA CLÁSSICA, DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR, LANÇADO ORIGINALMENTE EM 1999, JÁ ESTÁ NA QUINTA EDIÇÃO. OUTRA OBRA DE REFERÊNCIA É A TEORIA DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, SUA TESE DE DOUTORAMENTO. SUAS OBRAS PAUTARAM JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS SUPERIORES NA FORMAÇÃO DE INÚMERAS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS. O BRASIL VIVE UM MOMENTO DE RETROCESSO NOS DIREITOS FUNDAMENTAIS, SOB O PRETEXTO DE COMBATER A CORRUPÇÃO?

O país vive um momento de muita participação social, e isso ocorre no mundo todo. Nenhuma autoridade se legitima tão somente pelo cargo, mas sim pela qualidade de suas intervenções e processos decisórios. Também é necessário ostentar transparência e prestar contas à opinião pública. Vivemos na Era Digital. As garantias estão reconfiguradas, já não são as mesmas. O direito à privacidade do século XXI não tem força absoluta, está muito impactado pelas tecnologias contemporâneas. Vivemos tempos de ciberterrorismo, e de direito digital. Por certo, os direitos fundamentais relacionados ao devido processo legal jamais serão abandonados, pois constituem conquistas históricas. Serão apenas adaptados, constantemente, às mudanças culturais da civilização. O Brasil vive um momento muito intenso, em que se discute o alcance de inúmeras garantias em face das necessidades sociais, e isso é importante.

Quando o STF disse que uma decisão colegiada de Tribunal já pode ser cumprida de imediato e gerar efeitos, autorizando prisões, estava apenas se alinhando com a jurisprudência das Cortes Européias e com o direito comparado de países desenvolvidos. Havia uma verdadeira “farra” de recursos protelatórios impeditivos de prisões legítimas, calcadas em acórdãos já proferidos por Tribunais.

As delações premiadas constituem outro instrumento legítimo de investigação, sobre o qual já me pronunciei em diversas oportunidades. A sua regulação traz limites objetivos intrínsecos, que devem ser trabalhados. Quando se aponta que uma autoridade pode colher delação, o que se espera, sempre, não é a proteção de um interesse corporativo, nem a exclusividade de uma atribuição, mas sim o resguardo do interesse público primário e a proteção da sociedade.

PODEMOS AFIRMAR QUE A LAVA JATO É UM CASE DE SUCESSO?

Certamente, a Lavajato é, desde já, uma operação de positiva repercussão mundial, pois vem proporcionando autêntica “faxina ética” no Brasil. Essa Operação deve ser vista mais de perto, pois traduz algo até maior: uma mudança de paradigmas na vida pública do país. A profunidade com que atingiu os alicerces da realidade empresarial, política e institucional do Brasil fez da lavajato um processo histórico inédito. Só por tais circunstâncias, já seria um case de enorme sucesso, representando um novo estágio para as instituições de controle, mormente a Polícia Federal, o Ministério Público e o Judiciário.

Qualquer operação desta envergadura, no entanto, está sujeita a questionamentos e este é o trabalho dos advogados dos investigados e acusados, cujas prerrogativas e direitos devem ser preservados. Às autoridades cabe ficar alerta para aperfeiçoar seus instrumentos constantemente e, sobretudo, evitar nulidades e combater a impunidade. Cada um tem seu papel. A sociedade quer resultados e incumbe ao Poder Judiciário entregar a prestação jurisdicional após o devido processo legal. Portanto, os trabalhos investigatórios e processuais devem ser altamente qualificados para apontar os verdadeiros responsáveis pelos ilícitos, sem qualquer desvio de rota.

Admitir interferências na lava jato, para favorecer personagens envolvidos, é algo que jamais seria tolerado pela sociedade brasileira.

QUAL O PAPEL DA POLÍCIA FEDERAL NO FUTURO DA LAVA JATO?

Polícia Federal é instituição que não pertence a um Governo, muito menos a um Partido, e sim à sociedade brasileira. O Poder Executivo Federal – com o novo Governo que se avizinha – deveria apostar no fortalecimento da força tarefa da Lava Jato, para colher a legitimidade do mandato junto à população. A lava jato, atualmente, encarna a esperança de milhões de brasileiros pela renovação da política e da ética no país.

A Polícia Federal certamente tem um protagonismo essencial na lavajato, pois além da qualidade técnica, sua robustez operacional é que permite ao Ministério Público o trabalho perante o Poder Judiciário. As investigações devem ser conduzidas pela Polícia Federal com isenção, autonomia, e qualidade técnica. Possuir estrutura de trabalho é condição necessária para o desempenho de sua missão.

 

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