Medina Osório em O Globo de 2/5: “O futuro da Lava-Jato”

Traçar um paralelo com a Mãos Limpas para induzir à ideia de que há perspectiva de fracasso é um erro, pois importante é diagnosticar as estratégias dos investigados
 
FÁBIO MEDINA OSÓRIO
 
A operação Mãos Limpas na Itália é uma referência para a Lava-Jato no Brasil, mas está longe de ser a única referência, até porque a sociedade brasileira, seus políticos, suas lideranças, suas instituições podem avaliar criticamente experiências pretéritas, para que a história não se repita como farsa. Registre-se, desde logo, que o sistema brasileiro possui modelo muito mais avançado do que o italiano — o que é natural em termos de apropriação das experiências evolutivas do próprio Direito — e também mais eclético no âmbito dos modelos comparados, além de contar com instituições diferentes (modelos de magistratura, Ministério Público, polícias).
 
A operação Lava-Jato, por seu turno, tem peculiaridades totalmente distintas da Mãos Limpas, a começar pelo ataque promovido aos corruptores, o que não foi uma característica central na operação italiana, e sim uma nota mais recente advinda das legislações anticorrupção disseminadas por força da influência do direito americano.
 
Noutras palavras, embora a Lava-Jato possa ter se inspirado na operação Mãos Limpas, é óbvio que, inclusive pela distância temporal, geográfica, e pelas peculiaridades dos sistemas jurídicos, tais operações guardam visíveis diferenças, o que pode inspirar esperanças e expectativas na sociedade brasileira.
 
Em recente entrevista à BBC Brasil, Vittorio Craxi, filho de ex-premier condenado na Itália, sustentou que aquela operação foi um desastre para o país e houve retrocessos, referindo-se notoriamente ao fenômeno Berlusconi. Vale lembrar que a Mani Pulite foi a maior operação anticorrupção da história europeia, mas não a única, e expôs uma rede com tentáculos nos principais setores da vida política e econômica na Itália, auxiliando a desmantelar esquemas de pagamento de propina por empresas privadas interessadas em garantir contratos com estatais e órgãos públicos e desvio de recursos para o financiamento de campanhas políticas.
 
Como reação, na Itália, houve ataques aos magistrados responsáveis pela condução dos processos, conquanto nunca se tenha comprovado nada no tocante às alegações de corrupção dos fiscalizadores. A ideia matriz de responsabilidade de agentes políticos, por abusos ou desvios de poder, não é errada, pois nenhuma autoridade está acima da lei, nem mesmo juízes ou promotores. Todavia, esses ataques podem fazer parte de um planejamento institucional, quando articulados sistematicamente.
 
Traçar um paralelo entre a Mãos Limpas e a Lava-Jato para induzir a ideia de que existe perspectiva de fracasso é um erro, pois realmente importante é diagnosticar as estratégias de que se valeram os investigados para blindagem de responsabilidades pela infiltração do crime organizado no aparato público, bem como detectar os caminhos subterrâneos usados para desmoralização dos magistrados, membros do Ministério Público e policiais, na medida em que existem comportamentos repetitivos e padronizados nessas atuações.
 
Atualmente, as organizações criminosas buscam a morte civil das autoridades e adversários políticos, através de difamações, calúnias, injúrias e desconstrução moral, baseando-se em formadores de opinião, blogs, redes sociais e até profissionais especializados. Esses ataques podem ser mais eficazes do que a própria eliminação física. Por isso, é fundamental diagnosticar os erros de outras operações envolvendo maxiprocessos, além de estratégias de organizações criminosas, pois a globalização do ilícito e do crime remete a padrões de condutas que se tornam mais aperfeiçoados com o tempo.
 
No entanto, as tecnologias do mundo contemporâneo, a velocidade da informação, a cooperação internacional e o grau de participação da sociedade e da opinião pública possuem pesos muito diversos na era da complexidade, e o Brasil está inserido numa agenda internacional de combate à corrupção, à improbidade e à ineficiência. A Itália dos anos 90 estava isolada nessa luta. Além disso, as instituições estão muito mais preparadas tecnicamente hoje do que antigamente.
 
Deve-se fomentar reformas institucionais que criem incentivos à inibição das práticas corruptas e corruptoras, especialmente na esfera da prevenção. Torna-se relevante reduzir a importância dos monopólios e das burocracias nos processos decisórios. Há burocracias indecifráveis, que favorecem decisões incertas ou arbitrárias, permeadas por insegurança jurídica, e isso certamente constitui campo fértil para a corrupção. A profissionalização das agências reguladoras — que foram sucateadas ou instrumentalizadas politicamente nos últimos anos — seria uma das grandes urgências para que o Brasil se inserisse numa agenda internacional de segurança jurídica e credibilidade. Outro ponto de destaque seria o fortalecimento dos ambientes autorregulatórios e de prevenção às práticas ilícitas. Investir em compliance é o ponto mais relevante para as administrações públicas e o setor privado, desde que se aposte em estruturas dotadas de autonomias e credibilidade.
 
O Brasil sairá muito mais forte e revigorado dessa experiência de depuração ética nos setores público e privado. O custo dos processos e dos danos reputacionais é muito alto para ser absorvido por empresas e agentes políticos. O melhor caminho é a prevenção e o fortalecimento das instituições fiscalizadoras, dando-se sequencia ao combate incessante à corrupção e à improbidade administrativa.
 
Fábio Medina Osório é presidente do Instituto Internacional de Estudos de Direito do Estado

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