Formação de Cartel, uma prática difícil de provar

A formação de cartel é uma prática que exige esforço para ser comprovada na esfera administrativa e judicial. A simetria de preço não é suficiente para iniciar uma investigação. A combinação de valores precisa estar evidente, seja em uma ata de reunião, seja via interceptação telefônica. A partir daí, começam a morosidade e a complexidade da apuração. O tempo entre a denúncia e a conclusão do processo é extenso, mesmo com fortes evidências da irregularidade, frequente no Distrito Federal. Como publicou ontem o Correio, o número reduzidos de empresas no setores de comércio e de prestação de serviços na capital federal contribui para a combinação de preços.

Apesar disso, nos últimos cinco anos, apenas um cartel foi condenado no DF: a articulação entre donos de panificadoras para a venda do pão francês em Sobradinho. Os empresários chegaram a ser presos em flagrante, mas só se viram obrigados a pagar multa pelo esquema 12 anos depois.

Em 2001, 19 empresários do ramo de panificação foram presos pela Delegacia do Consumidor (Decon) quando entravam em uma reunião para combinar o preço do pãozinho. Entre os detidos, estavam representantes do Sindicato das Indústrias de Alimentação de Brasília (Siab). O caso chegou à Secretaria de Direito Econômico (SDE), órgão ligado ao Ministério da Justiça, no mesmo ano, mas a apuração só foi concluída em maio de 2013, quando os empresários receberam multas no valor de R$ 650 mil.

Provas bem amarradas são essenciais para o sucesso do processo. Nem mesmo as evidências levantadas pela CPI dos Combustíveis da Câmara Legislativa foram suficientes para que os postos acabassem responsabilizados na ação criminal movida pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). O caso terminou arquivado pelo Tribunal de Justiça do DF e dos Territórios por ausência de provas.

A dificuldade de se comprovar a combinação de preços entre empresas do mesmo segmento começa pela burocracia. Apenas o alinhamento dos valores não é suficiente para que os órgãos competentes, como o MP e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), abram uma investigação. É necessária uma série de indícios, como aumento exagerado em um determinado período ou promoções na tentativa de quebrar uma empresa que tenta ingressar no mercado.

Mesmo assim, a investigação leva tempo. O superintendente adjunto do Cade, Diogo Thomson, explica que, entre o recebimento de uma denúncia e o início da averiguação, são exigidos muitos procedimentos. A apuração sobre o possível favorecimento da Gasol no contrato assinado com a BR, por exemplo, teve início oito anos depois da denúncia.

O Cade pode começar uma apuração por acusação, pelo programa de leniência ou por verificação de variações no mercado. Servem como provas da formação de cartel e-mails trocados entre as partes, ata de reunião, testemunhas e investigações feitas pelo MP, pela Polícia Civil e pela CPI. Como trata-se de processo administrativo, o Cade não pode fazer escuta telefônica, apenas busca e apreensão nas empresas, o que também dificulta a atuação do conselho.

Porém, o Cade pode utilizar provas conseguidas via processo judicial. “O cartel é uma conduta criminosa. Dessa forma, o conselho é acionado como órgão administrativo de defesa, mas também cabe o processo penal. Aí, polícia e MP colhem provas”, explica Patrícia Sampaio, professora da Fundação Getulio Vargas, especialista em direito da concorrência. Um dos motivos apontados pelo Cade para a morosidade nos processos é a judicialização das ações. “O Cade dá uma decisão e o envolvido questiona na Justiça. Os prazos das duas instâncias são diferentes, isso atrasa”, explica Thomson.

Parceiros

No caso da gasolina, do etanol, do diesel ou do gás de cozinha, quando a Agência Nacional do Petróleo (ANP) – que regula o segmento – identifica uma simetria de preços ou indícios de cartelização, repassa a suspeita ao Cade. “Não é atribuição da agência dizer se há ou não acordo em relação a certos comportamentos de valores. Mas, se notamos algo suspeito, enviamos aos órgãos competentes”, explica o diretor regional da entidade, Manoel Neto.

Muitas vezes, o alinhamento dos preços não é explicitamente combinado, mas ocorre como uma estratégia de mercado, ou seja, os grandes grupos estipulam um valor, os outros têm de seguir. Caso contrário, mesmo que possam cobrar mais barato, correm o risco de ir à falência, já que os gigantes, que trabalham com uma margem de lucro elevada, podem baixar ainda mais o preço, tornando os demais pouco competitivos.

Sem a utilização de escutas e o monitoramento de reuniões, é quase impossível comprovar o esquema. Fontes ligadas ao MPDFT afirmam que a maior parte dos empreendedores aproveitam as reuniões de sindicatos e de associações para estipularem valores conjuntos. Por isso, apenas o encontro dos empresários não caracteriza cartel, pois eles geralmente tratam também de outros assuntos. Por vezes, as próprias entidades incitam a prática, já que presidentes e membros são os próprios donos dos estabelecimentos.

Sucesso

 

Depois da investigação do cartel, há variações visíveis no preço do pão de sal em Sobradinho. O Correio pesquisou nove padarias na cidade e encontrou valores entre R$ 7,99 e R$ 9,90 por quilo. No estabelecimento onde a estudante Milena dos Santos, 28 anos, compra pão todos os dias, 1.000 gramas do produto custam 
R$ 9,49, mas ela garante que não faz a escolha pelo preço. “Nem sei quanto custa nas outras padarias. Lancho com a minha avó que mora aqui perto e gostamos do produto daqui dessa”, conta.

Delação premiada

Quando um membro de um cartel o denuncia para o Cade, ele tem a pena atenuada. O programa foi introduzido no Brasil em 2000 pela Secretaria de Direito Econômico (SDE), que é responsável por negociar o acordo.

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