Fábio Medina Osório, para “O Globo”: Os Limites da Opinião Pública

A opinião pública é um dos elementos estruturais de um estado democrático de direito, como uma espécie de autoridade anônima, em vertentes liberal, democrática e autoritária. É formada por cidadãos cada vez mais plurais numa sociedade inclusiva e participativa, onde as mídias sociais adquirem predominância crescente, e os eleitores formam suas convicções a partir da interação com segmentos que não são ligados a partidos.

Intelectuais, jornalistas, meios de comunicação, influencersyoutubers e atores da cena política, econômica e social, todos participam ativamente da formação de uma pujante opinião pública.

Não é fácil conceituar opinião pública, porque não se trata apenas da posição majoritária da coletividade sobre determinados assuntos num meio social, mas sim de referências qualificadas sobre temas de interesse público, porque não se classifica como opinião pública a visão geral sobre temas de índole exclusivamente privada.

Como jamais há consenso em torno dos assuntos pautados, o entendimento sobre aspectos controversos é desnecessário para caracterizar um pensamento majoritário. Por exemplo, qual a visão da opinião pública brasileira sobre a corrupção, sobre segurança ou sobre aborto?

Há muitos elementos que compõem um conceito de opinião pública, e os institutos de pesquisa tentam medir ou avaliar as tendências preponderantes. Mas outros resultados acabam por melhor retratá-la, porque a opinião pública pode ser institucionalizada ou não, valendo ressaltar a importância dos fenômenos das manifestações de massa como veículos portadores de reivindicações, expectativas e vontade de maiorias. Nesse sentido, podem ser expressadas opiniões que sejam qualificadas como claramente majoritárias.

Pode-se dizer que a opinião pública é uma instância que legitima e, ao mesmo tempo, controla o poder político no regime democrático liberal.

No entanto, essa tendência supostamente majoritária jamais pode se tornar a principal fonte da legitimidade legislativa e de controle do poder político, pois outras instâncias desempenham esse papel. Numa perspectiva democrática, a opinião pública deve ser compreendida à luz do governo das leis e, nesse sentido, não poderá se sobrepor ao império normativo e autorizar atuações ilegítimas do Judiciário e do Ministério Público em detrimento da legalidade.

Se pautarem suas decisões com base exclusivamente na opinião pública, magistrados, membros do Ministério Público, governantes ou parlamentares estarão desprezando o ideário fundamental da independência dos Poderes. Por essa separação, padronizada desde 1748 pelo Barão de Montesquieu em seu livro “O espírito das leis”, cabe ao Legislativo a discussão e aprovação das leis para disciplinar a vida em sociedade; ao Executivo, administrar os interesses em comum; e ao Judiciário, as funções essenciais à tarefa de aplicar as normas que regulam a vida em sociedade.

A opinião pública pode e deve se manifestar na tentativa de autorizar determinadas ações dos Poderes. Porém, tais condutas não podem descumprir as normas legais, para que sua legitimidade não reste comprometida, pois a evolução das democracias descartou por completo a proibição da arbitrariedade, como decorrência lógica de um pensamento libertário.

Magistrados e membros do Ministério Público são permanentemente avaliados pela sociedade em face da qualidade de suas atuações, pois uma das funções da opinião pública é o aperfeiçoamento moral dos agentes dos Três Poderes, já dizia Benjamin Constant.

Todavia, as denúncias dos procuradores e as decisões judiciais jamais podem ser embasadas na opinião pública, devendo, obrigatoriamente, encontrar razões nas leis, na jurisprudência e na Constituição.

Fábio Medina Osório é advogado e foi ministro da Advocacia-Geral da União

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