Devido à gravidade dos problemas socioeconômicos, que parecem ter solução apenas a longo prazo, muitos brasileiros sofrem de uma inegável ansiedade, sem perceber que o país está melhor do que antes, a partir dos resultados da Lava-Jato e de uma nova agenda política e econômica que emergiu com o governo Bolsonaro.

A Operação Mãos Limpas (Mani Pulite), na Itália, foi uma referência para a Lava-Jato, mas deve-se destacar que o sistema brasileiro tem hoje um modelo jurídico muito mais avançado e também mais eclético do que o italiano na década de 1990, o que é natural em termos de apropriação das experiências evolutivas do próprio direito. Assim, o direito italiano da década de 1990, desprovido do instrumental tecnológico do século 21, não poderia ser comparado ao sistema brasileiro, dada a diversidade, inclusive, de influências e de ferramentas tecnológicas disponíveis. Forçoso lembrar, ademais, que a fonte de inspiração de nosso sistema também remonta ao modelo norte-americano, e não apenas ao Europeu.
 
No entanto, críticos da Operação Lava-Jato sinalizam que o fracasso do sistema italiano seria o prenúncio de um suposto fracasso do modelo brasileiro. Como se sabe, a investigação na Itália levou ao fim da chamada Primeira República, cujas principais forças políticas tinham sido a Democracia Cristã (DC) e o Partido Socialista Italiano (PSI), ambos fulminados pela atuação da Magistratura (juízes e procuradores pertencem a uma mesma carreira naquele país, diferentemente do que ocorre no Brasil).
 
Bettino Craxi foi líder do PSI, além de primeiro-ministro da Itália entre agosto de 1983 e abril de 1987. Condenado por corrupção e financiamento ilegal do partido, exilou-se na Tunísia e não cumpriu a pena. Morreu em 2000. Em entrevista, seu filho Vittorio Craxi sustentou que a operação Mãos Limpas foi um desastre para a Itália e até houve retrocessos, referindo-se diretamente ao fenômeno Silvio Berlusconi, o empresário da comunicação que entrou na política, foi eleito primeiro-ministro e liderou o surgimento de novo esquema de corrupção. Berlusconi teria se tornado o símbolo de uma nova Era de Corrupção na Itália. Há receio de que no Brasil possa haver retrocessos, mas inexistem quaisquer indícios nesse sentido.
 
Traçar um paralelo entre a Mãos Limpas e a Lava-Jato, para induzir a ideia de que existe perspectiva de fracasso, é um erro. Entre os efeitos colaterais da Mãos Limpas estão uma série de suicídios de empresários e o assassinato dos juízes Giovanni Falcone e Paolo Borsellino pela máfia, que tinha ligações com políticos envolvidos nos escândalos e se encarregou dos atentados contra os magistrados que conduziam os processos judiciais.
 
No Brasil, é certo que se usou uma estratégia de tentativa de assassinato de reputação dos envolvidos na Lava-Jato, promovendo-se ataques à honra dos procuradores e dos juízes responsáveis pelos processos, por meio do site The Intercept, do jornalista norte-americano Glenn Greenwald, internacionalmente famoso desde que levou a público a existência dos programas secretos de vigilância global dos Estados Unidos, efetuados pela sua Agência de Segurança Nacional (NSA). Valendo-se de uma operação criminosa de ataques a celulares de autoridades públicas, o jornalista passou a divulgar trechos editados de diálogos entre autoridades, cuja autenticidade não fora confirmada, para desmoralizar a operação.
 
Esses ataques à reputação poderiam, em tese, ser mais eficazes do que a própria eliminação física, mas não devem gerar o efeito pretendido. Apesar da massiva publicação de diálogos envolvendo autoridades ligadas à Lava-Jato, não ficou comprovado que tenham ocorrido irregularidades, o que se reflete na popularidade do ministro e ex-juiz Sergio Moro e do presidente Jair Bolsonaro.
 
O fato concreto é que a Lava-Jato não foi derrotada e seguiu em frente, podendo, com certeza, aprimorar-se a partir de críticas procedentes de autoridades e observadores. Nesse contexto, leis que reprimem abusos de autoridade ou o crime organizado e a improbidade administrativa, facilitando novas ferramentas consensuais, foram aprovadas pelo Congresso Nacional, estimulando práticas mais eficientes dos fiscalizadores. O que se pretende é eliminar ou reduzir o espaço às decisões incertas ou arbitrárias, permeadas por insegurança jurídica, porque certamente constituem campo fértil para a corrupção e o voluntarismo, em qualquer seara. Essa pauta – que prioriza o combate à má gestão pública, à ineficiência e à corrupção – será certamente uma grande bandeira das eleições de 2022, ao lado da segurança pública. Ninguém está acima das leis, nem mesmo os fiscalizadores, essa é uma percepção clara da sociedade brasileira. Importante abandonar qualquer agenda corporativista na discussão sobre o aprimoramento da Lava-Jato.
 
A profissionalização crescente das instituições é  fundamental para que o Brasil possa inserir-se definitivamente numa agenda internacional de segurança jurídica e credibilidade. Assim, imperioso fortalecer a meritocracia e a transparência dos processos decisórios internos e externos dos órgãos de controle e dos fiscalizadores. Outro ponto de destaque seria o aprimoramento da prevenção às práticas ilícitas, através de estruturas que viabilizem soluções consensuais, diálogo e uso de ferramentas como as recomendações, além da preservação das pessoas jurídicas que não estejam voltadas ao crime organizado, mas sim utilizadas por pessoas físicas para crimes ou infrações administrativas.
 

A atuação da Lava-Jato gera uma perspectiva de mudança de paradigmas na economia, na política e nas instituições, o que não impede seu aprimoramento e sua adequação às exigências de novas leis. Dessa experiência, que une o Ministério Público, a Receita e a Polícia Federal, o Brasil certamente sairá muito mais forte e revigorado.

*Advogado e ex-ministro da Advocacia-Geral da União (AGU)

Fábio Medina Osório, para o Correio Braziliense: “Lava-Jato tem sido uma experiência exitosa”

Devido à gravidade dos problemas socioeconômicos, que parecem ter solução apenas a longo prazo, muitos brasileiros sofrem de uma inegável ansiedade, sem perceber que o país está melhor do que antes, a partir dos resultados da Lava-Jato e de uma nova agenda política e econômica que emergiu com o governo Bolsonaro.

A Operação Mãos Limpas (Mani Pulite), na Itália, foi uma referência para a Lava-Jato, mas deve-se destacar que o sistema brasileiro tem hoje um modelo jurídico muito mais avançado e também mais eclético do que o italiano na década de 1990, o que é natural em termos de apropriação das experiências evolutivas do próprio direito. Assim, o direito italiano da década de 1990, desprovido do instrumental tecnológico do século 21, não poderia ser comparado ao sistema brasileiro, dada a diversidade, inclusive, de influências e de ferramentas tecnológicas disponíveis. Forçoso lembrar, ademais, que a fonte de inspiração de nosso sistema também remonta ao modelo norte-americano, e não apenas ao Europeu.
 
No entanto, críticos da Operação Lava-Jato sinalizam que o fracasso do sistema italiano seria o prenúncio de um suposto fracasso do modelo brasileiro. Como se sabe, a investigação na Itália levou ao fim da chamada Primeira República, cujas principais forças políticas tinham sido a Democracia Cristã (DC) e o Partido Socialista Italiano (PSI), ambos fulminados pela atuação da Magistratura (juízes e procuradores pertencem a uma mesma carreira naquele país, diferentemente do que ocorre no Brasil).
 
Bettino Craxi foi líder do PSI, além de primeiro-ministro da Itália entre agosto de 1983 e abril de 1987. Condenado por corrupção e financiamento ilegal do partido, exilou-se na Tunísia e não cumpriu a pena. Morreu em 2000. Em entrevista, seu filho Vittorio Craxi sustentou que a operação Mãos Limpas foi um desastre para a Itália e até houve retrocessos, referindo-se diretamente ao fenômeno Silvio Berlusconi, o empresário da comunicação que entrou na política, foi eleito primeiro-ministro e liderou o surgimento de novo esquema de corrupção. Berlusconi teria se tornado o símbolo de uma nova Era de Corrupção na Itália. Há receio de que no Brasil possa haver retrocessos, mas inexistem quaisquer indícios nesse sentido.
 
Traçar um paralelo entre a Mãos Limpas e a Lava-Jato, para induzir a ideia de que existe perspectiva de fracasso, é um erro. Entre os efeitos colaterais da Mãos Limpas estão uma série de suicídios de empresários e o assassinato dos juízes Giovanni Falcone e Paolo Borsellino pela máfia, que tinha ligações com políticos envolvidos nos escândalos e se encarregou dos atentados contra os magistrados que conduziam os processos judiciais.
 
No Brasil, é certo que se usou uma estratégia de tentativa de assassinato de reputação dos envolvidos na Lava-Jato, promovendo-se ataques à honra dos procuradores e dos juízes responsáveis pelos processos, por meio do site The Intercept, do jornalista norte-americano Glenn Greenwald, internacionalmente famoso desde que levou a público a existência dos programas secretos de vigilância global dos Estados Unidos, efetuados pela sua Agência de Segurança Nacional (NSA). Valendo-se de uma operação criminosa de ataques a celulares de autoridades públicas, o jornalista passou a divulgar trechos editados de diálogos entre autoridades, cuja autenticidade não fora confirmada, para desmoralizar a operação.
 
Esses ataques à reputação poderiam, em tese, ser mais eficazes do que a própria eliminação física, mas não devem gerar o efeito pretendido. Apesar da massiva publicação de diálogos envolvendo autoridades ligadas à Lava-Jato, não ficou comprovado que tenham ocorrido irregularidades, o que se reflete na popularidade do ministro e ex-juiz Sergio Moro e do presidente Jair Bolsonaro.
 
O fato concreto é que a Lava-Jato não foi derrotada e seguiu em frente, podendo, com certeza, aprimorar-se a partir de críticas procedentes de autoridades e observadores. Nesse contexto, leis que reprimem abusos de autoridade ou o crime organizado e a improbidade administrativa, facilitando novas ferramentas consensuais, foram aprovadas pelo Congresso Nacional, estimulando práticas mais eficientes dos fiscalizadores. O que se pretende é eliminar ou reduzir o espaço às decisões incertas ou arbitrárias, permeadas por insegurança jurídica, porque certamente constituem campo fértil para a corrupção e o voluntarismo, em qualquer seara. Essa pauta – que prioriza o combate à má gestão pública, à ineficiência e à corrupção – será certamente uma grande bandeira das eleições de 2022, ao lado da segurança pública. Ninguém está acima das leis, nem mesmo os fiscalizadores, essa é uma percepção clara da sociedade brasileira. Importante abandonar qualquer agenda corporativista na discussão sobre o aprimoramento da Lava-Jato.
 
A profissionalização crescente das instituições é  fundamental para que o Brasil possa inserir-se definitivamente numa agenda internacional de segurança jurídica e credibilidade. Assim, imperioso fortalecer a meritocracia e a transparência dos processos decisórios internos e externos dos órgãos de controle e dos fiscalizadores. Outro ponto de destaque seria o aprimoramento da prevenção às práticas ilícitas, através de estruturas que viabilizem soluções consensuais, diálogo e uso de ferramentas como as recomendações, além da preservação das pessoas jurídicas que não estejam voltadas ao crime organizado, mas sim utilizadas por pessoas físicas para crimes ou infrações administrativas.
 

A atuação da Lava-Jato gera uma perspectiva de mudança de paradigmas na economia, na política e nas instituições, o que não impede seu aprimoramento e sua adequação às exigências de novas leis. Dessa experiência, que une o Ministério Público, a Receita e a Polícia Federal, o Brasil certamente sairá muito mais forte e revigorado.

*Advogado e ex-ministro da Advocacia-Geral da União (AGU)

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