Fábio Medina Osório

Vivemos tempos de rupturas velozes, ambientes globais e paradoxalmente cada vez mais fragmentados. Alguns autores designam nosso espaço como Aldeia Global (MacLuhan), Sociedade da Informação (Fritz Machlup), Era da Complexidade (Morin), Nova Idade Média (Alain Minc) ou Pós-Modernidade (expressão que tem origem em múltiplos autores desde distintas vertentes).

O certo é que existem mudanças de paradigmas no século XXI, não apenas nas artes, na estética, no conhecimento, nos costumes, mas, sobretudo, com o advento de uma sociedade pós-industrial e tecnológica e no surgimento de um mundo digital. Trata-se de uma sociedade disruptiva por excelência, que provoca mudanças nos padrões estabelecidos no mercado, em velocidade cada vez maior.

O Direito vem se adaptando a essas mudanças brutais, refletindo busca de segurança jurídica e de soluções adequadas aos conflitos, bem assim a prevenção de problemas. Há uma crescente inter-relação entre o Direito e outros campos do conhecimento, dada a necessidade de enfrentar desafios sofisticados desse universo complexo, veloz e imprevisível. É ilusão imaginar que para os novos problemas subsistam as velhas soluções.

Se olharmos a História do Direito, veremos que muitas foram suas fontes. Nas sociedades primitivas, não havia diferença entre o Direito e a religião, ou a moralidade. Antes do aparecimento da escrita, questiona-se, inclusive, a possibilidade do surgimento do próprio Direito.

A evolução das sociedades sempre se pautou por íntima ligação entre Direito, moral, costumes, práticas sociais, culturais, econômicas e religiosas. Não se ignora que o embrião do Direito, como instrumento de coerção dos comportamentos humanos, reside nas crenças, costumes e cultos ligados a grupos com laços de parentescos, e posteriormente na formação das religiões, como bem historiou o clássico Foustel de Coulanges.

Isso não mudou, em essência. Nos sistemas jurídicos comparados, existe o Direito formulado por legisladores ou por governantes (eleitos ou não pelo povo) e existe o Direito dado pelos juízes (eleitos ou não pelo povo). E também há o Direito produzido por acordos (mediações, conciliações, arbitragens, termos de ajustamento de conduta, termos de compromisso e outras tantas fórmulas que cada sistema pode prever).

Nesse novo ambiente que vivemos, predomina o direito dado pelos legisladores, pelos juízes ou por outros atores? O Novo Código de Processo Civil, seguindo tendência mundial, adota a teoria dos precedentes e sinaliza que devemos privilegiar a jurisprudência como fonte do direito. Se essa lógica vale para o sistema regido por normas processuais civis, é evidente que deveria estender-se ao sistema processual penal e ao sistema administrativo como um todo.

Não se pode aceitar que, ao sabor de caprichos ou subjetivismos arbitrários dos intérpretes, e sem técnica alguma, os textos abstratos dos legisladores sejam aplicados aos casos concretos de forma totalmente distinta, para casos análogos. A jurisprudência, a partir das técnicas inerentes à teoria dos precedentes, deve ser observada tanto pelos juízes penais, quanto pelos cíveis ou administrativos.

Outra tendência é o caminho das soluções consensuais. O Judiciário é um canal congestionado e imprevisível para resolver conflitos. Pode-se optar pelo acordo, conciliação, mediação ou arbitragem. Mesmo na instância penal, é muito arriscado apostar no litígio. Nos crimes do colarinho-branco, o importante é recuperar os recursos desviados. Por isso, o Ministério Público vem buscando a estratégia das colaborações e delações premiadas, além dos acordos de leniência e termos de ajustamento de conduta.

Agências reguladoras e autoridades administrativas independentes trilham esse mesmo caminho através dos acordos de leniência e instrumentos de cessação de práticas infracionais celebrados com pessoas físicas ou jurídicas, buscando soluções ágeis e dinâmicas para problemas complexos que afetam interesses difusos. E a cooperação internacional facilita os caminhos.

Essa mesma perspectiva deveria ocorrer no campo administrativo, inclusive tributário. Não há motivo para que a União siga como a maior litigante do Brasil (o INSS, por exemplo). Acordos, a bem do interesse público, devem ser celebrados. É o que deverá ocorrer no âmbito das ações de improbidade administrativa também. São as novas fontes do Direito em funcionamento.

     Fábio Medina Osório, Advogado, ex-ministro da Advocacia-Geral da União.

Fábio Medina Osório, para o Correio Braziliense: “As novas fontes do Direito são bem-vindas”

Fábio Medina Osório

Vivemos tempos de rupturas velozes, ambientes globais e paradoxalmente cada vez mais fragmentados. Alguns autores designam nosso espaço como Aldeia Global (MacLuhan), Sociedade da Informação (Fritz Machlup), Era da Complexidade (Morin), Nova Idade Média (Alain Minc) ou Pós-Modernidade (expressão que tem origem em múltiplos autores desde distintas vertentes).

O certo é que existem mudanças de paradigmas no século XXI, não apenas nas artes, na estética, no conhecimento, nos costumes, mas, sobretudo, com o advento de uma sociedade pós-industrial e tecnológica e no surgimento de um mundo digital. Trata-se de uma sociedade disruptiva por excelência, que provoca mudanças nos padrões estabelecidos no mercado, em velocidade cada vez maior.

O Direito vem se adaptando a essas mudanças brutais, refletindo busca de segurança jurídica e de soluções adequadas aos conflitos, bem assim a prevenção de problemas. Há uma crescente inter-relação entre o Direito e outros campos do conhecimento, dada a necessidade de enfrentar desafios sofisticados desse universo complexo, veloz e imprevisível. É ilusão imaginar que para os novos problemas subsistam as velhas soluções.

Se olharmos a História do Direito, veremos que muitas foram suas fontes. Nas sociedades primitivas, não havia diferença entre o Direito e a religião, ou a moralidade. Antes do aparecimento da escrita, questiona-se, inclusive, a possibilidade do surgimento do próprio Direito.

A evolução das sociedades sempre se pautou por íntima ligação entre Direito, moral, costumes, práticas sociais, culturais, econômicas e religiosas. Não se ignora que o embrião do Direito, como instrumento de coerção dos comportamentos humanos, reside nas crenças, costumes e cultos ligados a grupos com laços de parentescos, e posteriormente na formação das religiões, como bem historiou o clássico Foustel de Coulanges.

Isso não mudou, em essência. Nos sistemas jurídicos comparados, existe o Direito formulado por legisladores ou por governantes (eleitos ou não pelo povo) e existe o Direito dado pelos juízes (eleitos ou não pelo povo). E também há o Direito produzido por acordos (mediações, conciliações, arbitragens, termos de ajustamento de conduta, termos de compromisso e outras tantas fórmulas que cada sistema pode prever).

Nesse novo ambiente que vivemos, predomina o direito dado pelos legisladores, pelos juízes ou por outros atores? O Novo Código de Processo Civil, seguindo tendência mundial, adota a teoria dos precedentes e sinaliza que devemos privilegiar a jurisprudência como fonte do direito. Se essa lógica vale para o sistema regido por normas processuais civis, é evidente que deveria estender-se ao sistema processual penal e ao sistema administrativo como um todo.

Não se pode aceitar que, ao sabor de caprichos ou subjetivismos arbitrários dos intérpretes, e sem técnica alguma, os textos abstratos dos legisladores sejam aplicados aos casos concretos de forma totalmente distinta, para casos análogos. A jurisprudência, a partir das técnicas inerentes à teoria dos precedentes, deve ser observada tanto pelos juízes penais, quanto pelos cíveis ou administrativos.

Outra tendência é o caminho das soluções consensuais. O Judiciário é um canal congestionado e imprevisível para resolver conflitos. Pode-se optar pelo acordo, conciliação, mediação ou arbitragem. Mesmo na instância penal, é muito arriscado apostar no litígio. Nos crimes do colarinho-branco, o importante é recuperar os recursos desviados. Por isso, o Ministério Público vem buscando a estratégia das colaborações e delações premiadas, além dos acordos de leniência e termos de ajustamento de conduta.

Agências reguladoras e autoridades administrativas independentes trilham esse mesmo caminho através dos acordos de leniência e instrumentos de cessação de práticas infracionais celebrados com pessoas físicas ou jurídicas, buscando soluções ágeis e dinâmicas para problemas complexos que afetam interesses difusos. E a cooperação internacional facilita os caminhos.

Essa mesma perspectiva deveria ocorrer no campo administrativo, inclusive tributário. Não há motivo para que a União siga como a maior litigante do Brasil (o INSS, por exemplo). Acordos, a bem do interesse público, devem ser celebrados. É o que deverá ocorrer no âmbito das ações de improbidade administrativa também. São as novas fontes do Direito em funcionamento.

     Fábio Medina Osório, Advogado, ex-ministro da Advocacia-Geral da União.

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