Fábio Medina Osório, para a Folha de S. Paulo: “Compliance bancário e a lentidão da Justiça”

O sistema financeiro nacional vem se adaptando a exigências de compliance desde os anos 1970, sobretudo a partir dos paradigmas do Comitê da Basileia.

Paulo Branco“To comply” significa cumprir normas jurídicas e éticas, internas e externas, com estruturas dotadas de poder coercitivo e investigatório. Os custos de não seguir essa diretriz são cada vez mais elevados e de impacto imprevisível.

Alguns exemplos: danos à reputação da organização e à de seus dirigentes, com efeitos no curto, médio e longo prazos; redução drástica de lucros, com perda de competitividade; cessação da própria operação; imposição de sanções às instituições e aos indivíduos (processos administrativo, cível e criminal).

A chamada “função de compliance” tem características relevantes, como independência, dimensão técnica e vinculação à direção, com poderes e garantias correlatos ao seu status.

Não se pode aceitar um “compliance de fachada” ou uma função desprovida de suas principais caraterísticas. Daí a necessidade de permanente revisão e atualização do perfil institucional.

A função de compliance não existe apenas na prevenção à corrupção, mas, de modo mais amplo, em todos os segmentos que remetem ao sistema de controles internos das instituições financeiras e aos riscos dos negócios, com imposição do respeito às leis e aos regulamentos, para coibir transgressões e evitar riscos.

No sistema bancário, há que se garantir a transversalidade do compliance, cobrindo todas as áreas de atuação e riscos do negócio, desde o ambiental até o trabalhista. Há também um elemento comum interessante quando se fala em litigiosidade -a tarefa de prevenção ao conflito.

Um dos desafios do sistema financeiro é, sem dúvida, o enfrentamento do gargalo da Justiça, para preservação da boa imagem das instituições no relacionamento com usuários de serviços públicos ou no atendimento a consumidores.

O Brasil possui um dos Judiciários mais lentos, deficitários e assoberbados do mundo, com mais de 100 milhões de processos em tramitação. Nesse contexto, muitos devedores desleais se beneficiam de casos que se arrastam por anos, entretanto sua imagem se deteriora perante a sociedade.

No caso de instituições que vivem do coletivo e reciclam permanentemente sua reputação perante os clientes, a ideia de satisfação espontânea de direitos é um imperativo ético e uma fórmula de fortalecimento da competitividade. Assim como a saúde não é algo privativo dos hospitais, a justiça não pertence exclusivamente aos tribunais.

Uma relevante atuação de compliance permite que se ajustem padrões corporativos a uma governança voltada ao mercado, fortalecendo os negócios e preservando a integridade e credibilidade do sistema financeiro.

Um ambiente dominado por uma cultura robusta e atualizada impulsionaria acordos na Justiça e coibiria a litigiosidade desenfreada que sempre marcou as relações entre consumidores e bancos no Brasil.

O exemplo, é claro, deve partir do setor público. O maior litigante brasileiro é a União, responsável pelo atravancamento da Justiça.

Bancos públicos, dos quais a União é a maior acionista, deveriam implantar modelo em que a satisfação de direitos dos consumidores e usuários ocorra sem conflitos.

Além disso, permitir que litígios se eternizem no Judiciário é um ato atentatório à dignidade da pessoa humana e viola o princípio da razoável duração dos processos.

FÁBIO MEDINA OSÓRIO, doutor em direito pela Universidad Complutense de Madri (Espanha), é presidente executivo do Instituto Internacional de Estudos de Direito do Estado. Foi advogado-geral da União (governo Temer)

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